quinta-feira, 14 de outubro de 2010

VIOLÕES QUE CHORAM



    VIOLÕES QUE CHORAM
Cruz e Souza

Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,
noites de solidão, noites remotas
que nos azuis das Fantasias bordo,
vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações à luz da lua
anseio dos momentos mais saudosos,
quando lá choram na deserta rua
as cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,
quando os sons dos violões nas cordas gemem,
e vão dilacerando e deliciando,
rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram,
dedos nervosos e ágeis que percorrem
cordas e um mundo de dolências geram,
gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas mágoas,
mágoas amargas e melancolias,
no sussurro monótono das águas,
noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes,
volúpias dos violões, vozes veladas,
vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.


quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

MEDIDAS PROVISÓRIAS DE AUTO-DEFINIÇÃO - II







Se andei desconjuntado de corpo foi porque a alma que colaram nele era demasiadamente densa, se os meus olhos queimaram olhares faiscantes, se de dentro deles emergia uma pálida luz é que na alma havia uma chama de brasa sempre acesa, e foi esta mesma chama que por tantas vezes feriu meus pés. Se escalei montes e desci abismos, se colhi o vôo dos pássaros, se amei os insetos rastejantes, se beijei cactos em vez de amantes, se fui na vida um peregrino errante, foi em busca, meu Deus, do perdão por nem mesmo conseguir arrepender-me.

MEDIDAS PROVISÓRIAS DE AUTO-DEFINIÇÃO

GILMAR VERMELHO


Eu sou o mar dividido ao meio.

Animais, gentes, crenças, deuses e séculos atravessam-me. Sou o mar dividido e contido – por milagre – em sua fúria e beleza. Saio porém de meu epicentro de águas profundas e dúbias e ando despretenso pelas margens, caminho sobre a areia até não chegar em nada. O mar vem a mim, sutil pelas beiradas; vem com sedução barata a lamber meus pés, convida-me a entrega. Retiro-me de súbito e após retorno, sou virgem difícil. Ele retoma as investidas, agora ousado lambe-me mais acima no joelho. Molhado de desejo, não mais resisto, doidamente entrego-me inteiro aos seus lábios com sede de infinito